segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Rio de Janeiro: terra de ninguém

É incrível como o Rio de Janeiro pode ter várias caras. Outro dia peguei um ônibus na Central para o Jardim Botânico e simplesmente vi de tudo. Já na Central do Brasil, famosa pelo filme do Walter Salles com a Fernanda Montenegro, você se depara com uma galera bem esquisitinha. É o centro do Rio, você queria o quê? Beleza, entrei no 438 Leblon e larguei minha vida na mão de Deus. Costumo falar assim porque quando se vive nessa cidade, você está sujeito a tudo. Não tem como correr.

Enquanto passávamos pelo Aterro do Flamengo, meu ônibus parou num sinal (outra coisa interessante são esses artistas de rua que fazem de um tudo enquanto o semáforo sinaliza o vermelho. Não temos isso em Angra.). Mas voltando... Não sei porquê, resolvi olhar para o ônibus vizinho pela janela e procurar alguém de interessante para dar uma geral, afinal, não estava fazendo nada mesmo. Foi quando de repente percebi que uma menina, sentada ao lado do motorista do ônibus vizinho me comia com os olhos de uma maneira em que eu nunca havia experimentado antes. Senti umas coisas estranhas, tentei decifrar o que seu olhar queria me dizer, mas não consegui. A garota tinha cabelos loiros meio desgrenhados, pele branca, bolsa de marca, roupa de patricinha da zona sul. Por que me olhava tanto? Aonde queria chegar com aquilo? E esse sinal que não abre? Mas eu não quero que abra, quero entender o que ela quer.

Por fim, meu ônibus finalmente deu partida e eu nunca mais encontrei com a misterious girl de novo. Cheguei no Jardim Botânico, esbarrei com alguns artistas, coisa boba, nada de mais. Um diretor de um filme que adoro, jornalistas que admiro ao cubo e pessoas finas pela rua. Na volta para a Ilha, onde moro, fui para a Central de novo e peguei o 328 (talvez, não lembro) que vai pela Avenida Brasil. Aí é a hora crítica de ser carioca. É na Avenida Brasil que mora o Rio que nenhum carioca enche o peito pra falar em público. A maldita cracolândia ali pelo caracol, chegando na entrada da Ilha e no fundão onde os marginalizados se amontoam para acabar com o deslumbramento de um exímio morador dessa cidade suja.

Meu busão fez uma parada num ponto onde há a maior concentração de "cracudos" de toda essa cidade, e eu, esperta que sou, só fiquei observando pela janela o que rolava lá fora. Criança se drogando, mulher grávida, gente jogada pelo chão, um carinha roubando alguma coisa, outro passando no meio da Avenida mais movimentada do Rio... É chocante. Depois de muito conflito interno, percebi mais uma vez que apesar de tudo, era eu que estava sendo observada. Uma mulher alta, pele negra, os olhos mais escuros que eu já havia encarado, e mais profundos também. Tinha a blusa rasgada e suja como se tivesse acabado de sair de um filme apocalíptico. Me fitou pela fiel eternidade em que meu ônibus havia se perdido, e eu a acompanhei no jogo de olhares. Aonde ela queria chegar com aquilo? Eu havia acabado de chegar de um mundo onde bistrôs e restaurantes com cardápio em francês eram rotina para a maioria, e em menos de uma hora estava na frente de alguém que não tinha absolutamente nada além do seu próprio olhar. E ela não abria mão disso. Queria me matar, talvez. Era olhar de raiva. Por que me odiava tanto se nem me conhecia? E se os papéis fossem invertidos e eu estivesse em seu lugar? Também sentiria raiva?
Finalmente, meu ônibus deu partida e levei o resto da viagem inteira pensando no meu dia.

Cheguei em casa com as duas mulheres na cabeça. Duas pessoas tão distintas, mas que não deixam de fazer parte de um mesmo lugar, uma mesma cidade.
Bem vindo ao Rio de Janeiro! Terra de todos, terra de ninguém.

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