quarta-feira, 22 de junho de 2011

Brincando de observar



Sentada hoje em um banquinho de madeira ao lado da banca de jornais, em frente a lojinha de artigos do Seu Lulu, me vi completamente envolvida com a não tão corrida rotina porém um pouco caótica dos padrões de vida de um Angrense. Sim, eu moro em Angra dos Reis. Talvez isso possa te chocar um pouco ou apenas te trazer a cruel realidade na qual pessoas que habitam Angra não dispõem de dinheiro em abundância. Não. Nós, simples moradores desse chamado paraíso litorâneo não temos três carros na garagem, não andamos de helicóptero para lá e para cá e sequer temos o costume de visitar as ilhas.
Mas hoje esperando minha mãe terminar de pagar suas contas pude parar e imaginar o que se passava na vida de cada um que por mim passava. Uma cena um pouco "Forrest Gump", mas no meu caso eu era apenas a mais discreta das criaturas que contentada com o sublime momento da obervação, descobriu que o mundo não gira em torno de si.
Três jovens do maior cargo que se pode conseguir na empresa da nossa cidade saindo de mais um dia de expediente. Três jovens de no máximo 25 anos. Duas mulheres e um homem. Pensei em quando saíram de casa e foram para a faculdade. A mãe do rapaz aos prantos por perder seu filho tão jovem para o mundo dos que procuram por independência. Os pais das meninas felizes por ver suas filhas seguindo um ótimo caminho profissional. Imaginei a menina loira de óculos super organizada, do tipo que na faculdade era a chefe da república. A morena com toque oriental parecia do tipo que não largava dos livros no Ensino Médio. O rapaz trazia no sorriso malandro a alegria de poder viver aqueles momentos com as amigas. Três jovens aproveitando todas as oportunidades que lhes foram dadas pela vida, passaram por mim e foram embora.
Esperei por alguns minutos e escolhi a próxima vítima. Uma mulher de seus trinta e poucos anos na fila da loteria. Usava roupas um tanto inadequadas para o clima frio do início de noite. um short curto, uma blusa rosa colada ao corpo com o comprimento chegando até o umbigo. Imaginei sua vida em casa. Seus afazeres domésticos, seu dever de esposa com o marido, as obrigações como mulher. Apesar dos trajes, me pareceu ser uma típica mulher do século XX. Vi indiferença no seu rosto. Para ela pouco importava se algo estava certo ou errado. Certo seria voltar o mais rápido possível para casa e satisfazer seu homem, ou correria o risco de ser trocada por uma mais jovem.
Dez minutos depois de a mulher ter ido embora, fui ligeiramente incomodada por um gari que precisava concluir seu trabalho removendo os resquícios de lixo perto do meu banco. Olhei para seu rosto e quis sentir tristeza. Quis gritar, me revirar ao avesso até encontrar a resposta do: "Por que ainda reclamo da vida?", mas não consegui. Não senti tristeza alguma ao olhar aquele homem honesto trabalhando até tarde sem qualquer receio de me abordar para que lhe desse licença. Devia ter seus sessenta anos, muito magro e repleto de rugas. Preferi não tentar desvendar sua vida mas entendi que apesar daquele velho nem ao menos saber o que seria uma oportunidade, ele tinha o prazer em limpar a sujeira que nós mesmos produzimos.
Já um pouco impaciente e cansada do jogo da observação, me deparei com o dono da loja de ração para cachorros que frequentemente visito. Olhei para ele durante três segundos sendo imediatamente correspondida. Três segundos intermináveis que se tornaram constanets na minha vida. Três segundos, e ele foi embora. Não falei com aquele homem, não o cumprimentei e nem sequer lancei um sorriso sem jeito para disfarçar o nervosismo. Por que fiz isso? Sou mal educada? Não tenho amor na minha vida? Sou tímida demais? Sim. Sou tudo isso porque vivo em um lugar que para muitos pode parecer perfeito, mas não passa de uma máscara muito bem feita da hipocrisia que escondemos de nós mesmos. More em Angra ou more em São Paulo, tudo acontece do mesmo jeito.

Um comentário:

  1. Adorei, Lu. Esse jogo de observações sempre rendem bons textos, ainda mais com vc =)

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