quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Paulo, contador de histórias.

Fui ao Centro hoje a tarde com minha mãe, a fim de comprar meu material escolar e acabei por ter um dia incrível. Apesar dos quarenta graus (sensação térmica de setenta e sete), Angra toma um ar leve e um céu indescritível lá pelas seis da noite.

Eu e ela andamos debaixo desse sol escaldante procurando o caderno que eu queria (dica: Nunca leve sua filha ADOLESCENTE para escolher seu material. Principalmente quando for no Centro da cidade, em dia ensolarado) e óbvio, nos rendemos a algumas lojinhas de roupa, porque ninguém é de ferro. (Vale lembrar que eu odeio comprar roupa, mas aquela blusa estava me chamando da vitrine.)

Pois bem! Depois de andarmos muito e gastarmos mais do que devíamos, resolvemos parar numa lanchonete natural e dar uma descansada. Minha mãe e eu começamos uma discussão sobre o significado de uma palavra que estava escrita em inglês na caneca ao nosso lado. Ela só sabe falar "Thank you, my brother" e "Hello", mas defendia a tese de que o "break" na caneca significaria "preto".
De repente, minha mãe resolve se virar para o lado e perguntar a um senhor que aparentava seus setenta e poucos anos, o que ali estava escrito.

Ele diz que não domina o inglês muito bem, mas com certeza era "preto". Entendendo que havia perdido a batalha para a teimosia e a gentileza do senhor, desisti de tentar convencer um dos dois. O fato é que ele começou a contar uma série de histórias, e em menos de cinco minutos, eu lutava contra meu organismo para não transpassar emoção.

Você provavelmente vai me achar estúpida por me emocionar com isso, mas ele tirou do bolso uma carteirinha militar da ONU. Seu Paulo tinha servido o exército brasileiro em 1948, no então Estado de Israel. Me contou que após servir na faixa de gaza, foi mandado para o Marrocos, França, Itália, Alemanha e Egito. Entrou na maior pirâmide do mundo, conheceu os maiores cabarés da Europa e experimentou as bebidas mais interessantes de sua vida.

Cheio de orgulho, me mostrou suas fotos de quando tinha cabelo e a manchete dedicada a ele que o nosso jornalzinho regional publicou no dia da independência. Me ensinou palavras em árabe e contou mais um pouco sobre o trabalho na ONU em meados de 50.

Olhava para as mãos de Seu Paulo com uma nostalgia me corroendo o peito. O fitava como se estivesse a frente de alguém de suma importância. E era! Seu Paulo viveu mais do que qualquer um de nós possa imaginar. Nasceu em 1931. Pegou a Segunda Guerra, a criação do Estado de Israel, a Guerra Fria e a ditadura militar.

Hoje ele ajuda o filho a tocar a lanchonete de esquina da principal rua da cidade. Vai aos forrós locais, dança com mulheres de todas as idades e passa o sábado na praça jogando suas história ao vento.
Combinamos de nos encontrar nessa próxima semana. Me mandou chegar às quatro da tarde, munida de um bloquinho e uma caneta, com propósito de aprender árabe e um pouco da vida.

Já indo embora, Paulo lançou a última frase:
"Nos conhecemos aqui, no balcão da lanchonete há meia hora, e parece que sempre soube quem era. Você é especial, menina. Tem brilho no olho."

Um comentário:

  1. Que bacana, Luani... dá vontade mesmo de ouvir as histórias do seu Paulo. Aproveita o encontro que marcaram e faça uma entrevista com ele, jornalisticamente falando... talvez o bloquinho e a caneta já sejam justamente para isso. De qualquer maneira, acho que seria uma bela personalidade para entrevistar. Muito bem escrito o seu texto!

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