quinta-feira, 25 de abril de 2013

a perda

ano passado pude presenciar uma das maiores dores do mundo. vi um homem chorar feito criança, feito a própria tristeza que lança suas lágrimas todos os dias ao olhos de que já perdeu esperança. o homem, eu confesso que não sei quem é, mas o evento me foi muito familiar. o enterro da minha avó.

enquanto o caixão com o corpo da minha avó repousava na capela para que todos nós pudéssemos ter a chance de olhar pra ela pela última vez, enquanto eu chorava embasbacada por olhar para um defunto pela segunda vez na vida, enquanto eu pensava na diferença das vezes e analisava cada ruga do seu rosto, havia um homem que chorava muito do lado de fora. era alto e era quem melhor estava vestido no velório. de roupa social, cabelos grisalhos e um lenço que lhe enxugava o rosto, ele se agarrava ao caixão, incrédulo, por aquela senhora ter partido.

até onde eu sei, minha avó só tinha se casado uma vez na vida, depois se separou e viveu por mais de 20 anos solteira. o homem é conhecido da família, percebi isso pelo jeito que todos lidavam com ele, mas como sou neta emprestada, não faço ideia de quem eram aquelas pessoas. enfim, pude reparar na tristeza dele ao olhar para ela ali, de olhinho fechado, branca e coberta de flores e ao mesmo tempo que agora descrevo essa cena, me lembro da minha sensação naquele momento. como já disse, minha avó foi o segundo defunto que vi na vida, porque o primeiro foi meu pai, com meus 12 anos. foi a coisa mais horrível do mundo por não acreditar que meu pai, aquele que devia me ver crescendo, dançar a valsa nos meus 15 anos, me levar ao altar no dia do casamento, me aconselhar e tudo o mais, estivesse ali naquela situação. não consegui olhar com frieza. na verdade, não consegui nem olhar direito. já com minha vó foi diferente. apesar da tristeza descomunal e do sufoco no peito, eu conseguia pôr a cabeça no lugar e entender que a morte é um descanso, em um certo ponto da vida.

mas enquanto eu pensava nisso, o homem, aos prantos, só conseguia balbuciar umas frases como "eu ainda te amava, neusa... eu ainda te amava... você foi o amor da minha vida."
não dá pra saber se ele era irmão da minha avó, primo, um caso, um amante ou o grande e único amor da vida dela. no final do velório cobriram o caixão com o manto sagrado (bandeirão do flamengo, claro, que minha vózinha era fanática) e tudo acabou como teve que acabar. posso estar viajando nesse texto, mas entendo o sofrimento dele, de perda. a perda de uma vida, e o ganho de um coração partido.

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