Tarde de quarta-feira. Tinha comigo uma ardência profunda originada de minha alma. Cavei lembranças nunca apagadas da memória adolescente, na maioria das vezes por muito esquecida. Mas essas não, nunca. Como poderia esquecer-me das brincadeiras infantis, das perguntas inocentes, dos jogos com o irmão no quintal da velha casa aos seis anos, dos flagrantes aos namorados no portão? Tomei posse de minha bicicleta naquele doce fim de tarde. Gostaria que o tempo estivesse quente para junto aquecer-lhe a leitura, mas fazia um frio; Para o deleite da minha tristeza.
Cheguei a passar pela minha antiga escola, sempre embalada ao som de alguma banda melancólica infiltrando-se por meus ouvidos. Olhava para a parte de dentro: Pátio, refeitório, portas das salas... Todas me transportavam para alguns dos momentos mais felizes de minha vida, aos quais nunca conseguira perceber com antecedência. Nunca conseguimos e depois quando tiramos consciência do passado, procuramos palavras para completar o vazio proporcionado pela imaturidade. E como ato seguinte tendemos a nos torturar por dentro com as frases "gostaria de voltar aquele tempo", ou "como eu era feliz". Infelizmente, exato foi como me senti.
Olhava ao lado e só conseguia enxergar crianças felizes por encontrarem seus pais a sua espera no horário de saída. Meus amigos vinham descendo as escadas dando adeus as professoras e correndo abruptamente aos braços dos homens de família. Me vi perdida, onde estava a pequena? Sim lá estava! Rosto puro, livre de pecados. Me sentiria uma perfeita idiota se tentasse descrever a leveza das minhas expressões ainda infantis.
Igual ao restante, fui me despedindo de todos e com os olhos aflitos ia procurando por meu responsável, até que de tanto procurar acabei avistando de longe o fusca branco parado na esquina a minha espera. Corri o mais rápido possível, como quem corre da morte para algo melhor. Ao entrar no carro me deparei ainda com a figura doce de meu pai. Me perguntou sobre as aulas, como havia tido com os colegas e aonde gostaria que fossemos. Eu criança sorria, admirando cada característica de sua face, cada resquício deixado pela idade, a forma como carregava consigo os óculos de armação redobrável- que hoje é minha mãe quem os usa - o relógio de sempre que nunca tirava do pulso, as canetas no bolso, o cheiro das mãos... O carro deu partida e com o tempo foi-se a figura emblemática de meu pai.
Os amigos de antigamente, os problemas não tão impossíveis de se resolver, escolhas e decisões tomadas me fazem crer que pude ter errado ou acertado. Afinal, é para isso que servimos, não?
A vontade que tenho é de permanecer pelo resto da vida com meus cinco/seis anos de idade, quando na casa ainda era o centro das atenções, a caçula espevitada que de tempos arrancara sorrisos da mãe. Dez anos passados a única coisa que arranco de minha mãe são reclamações aos céus por ter uma filha acomodada. Eu que aos seis anos me imaginava nos dias atuais realizada de todas as formas possíveis, me perdi num oceano de profusões mal resolvidas.
O passado se atenua as minhas costas teimando em reaparecer a qualquer momento em forma de espontâneas emoções e choro incontrolável.
É estranho, estou crescendo.
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